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Papo de Fera
[Papo de fera #4] O X da questão
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[Papo de fera #4] O X da questão

sobre binarismo sexual, olimpíadas e violência contra mulheres

Olá, ouvintes, como estão?

Neste mês, nós nos sentimos obrigadas a conversar um pouco sobre as polêmicas em torno das Olimpíadas de Paris, que estão acontecendo neste ano de 2024.

Em 1º de agosto, nas oitavas de final da categoria de boxe até 66kg, a atleta italiana Angela Carini abandonou, aos 46 segundos, a luta então em curso com Imane Khelif, de origem argelina, após queixar-se da extrema dor sentida após os golpes que sofreu. Em outro ringue, no dia 4, a búlgara Svetlana Kamenova perdeu para Lin Yu-Ting, de Taiwan, na categoria até 56kg. Kamenova disse ao treinador que iria encerrar a luta, o que ele não permitiu. Sua derrota é marcada pelo gesto de indignação da atleta búlgara, que fez um “X” com as mãos em resposta ao que havia acabado de acontecer. Um sinal que foi feito também por Yuwei Lin, corredora chinesa e Esra Yildiz, boxeadora turca.

Kamenova após derrota para Lin Yu Ting em 4 de agosto de 2024.

O que os vencedores dessas lutas têm em comum? Tanto Imane Khelif quanto Lin Yu-Ting foram atletas banidos das competições mediadas pela International Boxing Association em março de 2023, junto com outros três boxeadores, após a organização declarar que eles não cumpriam os critérios de elegibilidade necessários para sua participação nos campeonatos de boxe na categoria feminina. 

Segundo a IBA, a decisão foi posteriormente ratificada pelo Conselho de Administração da associação em 25 de março de 2023. O registro oficial dessa decisão pode ser acessado no site da IBA juntamente com as atas das reuniões do Conselho de Administração

Em comunicado divulgado em 31 de julho, a IBA afirmou que Khelif e Lin tiveram a oportunidade de recorrer da desqualificação no Tribunal de Arbitragem do Esporte. Lin se recusou a fazê-lo, enquanto Khelif apresentou um recurso e depois retirou. A IBA ofereceu apoio financeiro para os atletas recorrerem. Como escolheram não o fazer, a decisão da IBA é legalmente vinculante.

Em maio do mesmo ano, a IBA afirmou que a participação de atletas masculinos com Diferenças no Desenvolvimento Sexual na categoria feminina é perigosa para a saúde e segurança das boxeadoras. Além disso, o critério então estabelecido pela associação para a definição das categorias de gênero (que nesse caso diz respeito ao sexo) é a análise cromossômica:

Homem/Macho/Menino = indivíduo com cromossomo XY.

Mulher/Fêmea/Menina = indivíduo com cromossomo XX.

Portanto, seguindo essas definições, homens e mulheres só poderiam competir com indivíduos do mesmo gênero.

Contrariando todas as medidas imputadas pela IBA, no entanto, o Comitê Olímpico Internacional autorizou que os atletas banidos pela associação participassem dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, dentro da categoria feminina, resultando no imbróglio no qual estamos agora, com os dois boxeadores disputando a final em suas respectivas categorias.

Desde então, uma miríade de narrativas diferentes pipocam por meio da mídia hegemônica, que busca colocar sob panos quentes a injustiça envolvendo a inclusão de atletas do sexo masculino (portadores de Distúrbios do Desenvolvimento Sexual, específicamente nesse caso, ou não) no esporte feminino. Apelos por empatia, hipóteses absurdas sobre as condições hormonais e genitálias dos atletas, um uso nauseante de pronomes femininos para descrevê-los e acusações de envolvimento da presidência da IBA com os russos são algumas das histórias que você vai ler nas manchetes que noticiam esse caso de notoriedade pública.

O que sabemos é que, além da descredibilização dos testes – realizados por encomenda feita por um laboratório terceirizado responsável por fazer testes do tipo para diferentes organizações esportivas –, o próprio COI afirma que seu único critério de elegibilidade e classificação de atletas é a aferição do sexo assinalado no passaporte, uma medida um tanto quanto desleixada em tempos de misoginia delirante e de falsificação escalonada da realidade através de meios jurídicos.

Em meio a essa confusão generalizada e alimentada pela mídia, que serve muito bem aos propósitos da agenda do apagamento das mulheres e da erosão dos espaços e direitos separados por sexo, conversamos um pouco sobre o que é, de fato, o sexo, sobre DDS’s (Distúrbios do Desenvolvimento Sexual – com a auxílio das contribuições de Kathleen Stock), sobre a misoginia que está comendo solta nesses Jogos Olímpicos (não só rodeando a participação de homens nos esportes femininos) e sobre os nossos palpites a respeito desse tema.

Esperamos que vocês gostem desse papo!


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Para compreender melhor o contexto, confira as informações a seguir.

STOCK, Kathleen. Material Girls: Por que a realidade importante para o feminismo. São Paulo: Cassandra, 2022. p. 62-69.

Reduxxx soltou a informação que dois atletas XY competiriam na categoria feminina nas Olimpíadas: https://reduxx.info/breaking-two-female-boxers-set-to-compete-at-paris-2024-were-previously-disqualified-from-womens-world-championship-for-having-xy-chromosomes/ 

Comitê Olímpico solta uma nota dizendo que verificam o sexo pelo passaporte: https://sex-matters.org/posts/sport/the-ioc-doubles-down-on-unfairness-for-women-in-boxing/ 

Vice-presidente federação de boxe confirma queos atletas são pessoas do sexo masculino: https://reduxx.info/international-olympic-committee-was-warned-about-male-boxers-world-boxing-organization-vice-president-says/ 

Comitê Olímpico tem atleta XY na Comissão defendendo fim da checagem de sexo: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/27/deportes/1438028164_311293.html 

Sobre a conferência realizada em 5 de agosto em Paris, em que o ex-presidente do comitê médico da IBA confirma que Khelif e Lin são do sexo masculino: https://www.eviemagazine.com/post/imane-khelif-is-male-according-to-doctor-s-testimony-others-step-forward-to-confi 

Pequenos resumos do engodo: https://www.3wiresports.com/articles/2024/8/3/0d4ucn50bmvbndhhqjohaneccoqueq 

https://quillette.com/2024/08/03/xy-athletes-in-womens-olympic-boxing-paris-2024-controversy-explained-khelif-yu-ting/ 

Podcast RedFem sobre homens nos esportes femininos, as desavenças entre a IBA e o COI, o racismo no Oriente e mais:

Discussão sobre este podcast

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Papo de Fera
O Papo de Fera é um podcast mensal onde Ana (fêmea feroz) e Marina Colerato (lado b) traçam diálogos a partir da leitura conjunta de obras feministas. Essa empreitada surge a partir das trocas, angústias e aspirações acerca da necessidade de disputarmos a narrativa pública sobre feminismo, mulheres e práticas de libertação desde uma perspectiva ecofeminista socialista.