Olá ouvintes, irmãs e camaradas!
O último Papo de Fera do ano não poderia deixar de fora a retrospectiva de 2024, um período recheado de acontecimentos importantes para a política global e para o movimento organizado de mulheres. Neste papo, conversamos sobre as notícias mais comentadas deste ano, além de refletirmos a respeito de nossas perspectivas sobre as coalizões feministas e os resultados que obtivemos ao longo dos últimos meses.
Não há dúvidas de que 2024 foi um ano puxadíssimo. A política global patriarcal garantiu avanços práticos e narrativos que puderam ser observados de perto com a intensificação da crise ecológica ao redor do mundo, a erupção de guerras intrapatriarcais e o estabelecimento paulatino de diretrizes culturais que têm, dia após dia, alcançado o objetivo de manutenção da falocracia nos quatro cantos do planeta. Esse foi um ano cheio de ondas de calor, “operações especiais” nas periferias do patriarcado-capitalista e “inclusão” forçada de homens em espaços exclusivos de mulheres.
Esses ataques – os velhos, os recém criados e os aperfeiçoados –, no entanto, não passaram despercebidos pela dissidência feminista. O movimento de mulheres, embora esteja atravessando um momento repleto de percalços típicos, tem desempenhado um papel importante no enfrentamento ao crescente reacionarismo patriarcal. No Brasil em especial, lugar de onde falamos, o crescente incômodo entre as mulheres no que diz respeito às políticas de autoidentificação e apagamento da classe feminina é bem nítido. Este incômodo foi um importante combustível para a atuação de organizações como a MATRIA, que fez uma importância resistência dentro da política institucionalizada; um espaço tão intrinsecamente masculino em sua composição e interesses defendidos que certamente não estava preparado para os abalos sofridos a partir do fortalecimento de uma organização autônoma de mulheres. No site da associação vocês podem conferir notas técnicas, um clipping extenso e documentos importantes que foram elaborados neste ano a fim de documentar a história de atuação da MATRIA.
Embora o trabalho para barrar a ofensiva contra os direitos das mulheres baseados no sexo tenha sido árduo, tivemos perdas preocupantes. O Ministério da Saúde aprovou a redução de idade para uso de hormônios do sexo oposto e bloqueadores puberais em crianças e adolescentes. É certo que esse “avanço” sobre os corpos das nossas crianças e jovens diz muito a respeito da inserção de tecnologias de caráter duvidoso dentro do Sul Global. Dadas as restrições impostas em diversos países da Europa, estabelecidas a fim de barrar a transição de menores após revisões sistemáticas provarem que não há nenhuma evidência que suporte a afirmação de que “tratamentos afirmativos de gênero salvam vidas”, é preciso desaguar a produção excedente da indústria fármaco-médica para as colônias. É a partir de movimentos como esse que venenos agrícolas e medicamentos nocivos proibidos no Norte Global acabam sendo permitidos nos sertões do mundo, sobretudo no Brasil, um espaço de grande disputa comercial e narrativa, que possui um público amplo e suficientemente colonizado para importar toda tralha ideológica imperialista e toda sorte de substâncias nocivas para nossos corpos e territórios.
Além do cenário global, conversamos um pouco sobre o impacto do movimento de mulheres dentro de nossa própria classe. A partir da criação de novas formas e possibilidades de coalizão, é impossível que algumas dores pessoais e coletivas não sejam carregadas e trazidas para dentro da militância. Conflitos internos, rivalidade horizontal, condescendência, inveja e falta de agência foram alguns dos tópicos sobre os quais refletimos nessa toada. O que fica de lição diante de tantos desafios é a necessidade de fortalecer também iniciativas que sejam capazes de nos auxiliar em processos de autorrecuperação a nível coletivo e individual. Nem sempre é fácil separar o pessoal do político quando necessário, mas algo que devemos aprender é que talvez as diferenças não sejam assim tão irreconciliáveis a ponto de nos impedirem de conduzir um projeto comum de libertação. Audre Lorde afirma que a diferença deve ser vista como “uma reserva de polaridades necessárias, entre as quais a nossa criatividade pode irradiar como uma dialética”. É dela que emana a possibilidade de estabelecer uma relação de interdependência frutífera entre mulheres, a qual esperamos que seja ainda mais fortalecida pelo ciclo que se inicia no ano de 2025!
Referências citadas nesse episódio:
Cila Santos sobre o caso de Gisèle Pelicot:
Valeska Zanello e as críticas aos gurus das “masculinidades”:
Isabela Callegari fala sobre o identitarismo:
Instagram da Ginna, uma nova empreitada editorial ecofeminista: