Olá ouvintes, irmãs e camaradas!
Após a derrota do campo da esquerda nas eleições municipais deste ano, veio a derrota dos democratas nas eleições presidenciais dos EUA. A vitória de Donald Trump – que venceu essas eleições com uma vantagem significativa sobre Kamala Harris – foi possível, em partes, graças a uma campanha baseada no clamor popular de rechaço ao avanço de políticas de promoção à identidade de gênero.
Uma coisa se assemelha nesses dois pleitos: uma onda de insatisfação popular com políticas identitárias e um descolamento cada vez maior da própria “esquerda” – se assim podemos chamá-la – com relação à realidade da classe trabalhadora cujos interesses ela alega defender.
Às ocasiões das vitórias de Joe Biden em 2020 e de Lula em 2022, a promessa da ala progressista era a de reparar os “estragos” causados pela extrema direita. No entanto, o que vimos acontecer durante os últimos quatro anos pode ser traduzido, sobretudo para as mulheres, em uma intensificação do processo de acumulação capitalista a partir da ultrapassagem dos limites de nossos próprios corpos: um número exponenciado de pacientes novos para o mercado de transição de gênero – sobretudo mulheres e crianças –, medidas como o avanço de tecnologias reprodutivas e de relativização de antigas formas de exploração, como a pornografia e a prostiuição, marcam os períodos de governança dos progressistas aqui no Ocidente.
O que podemos perceber com o advento do capitalismo moderno e a cisão entre dois projetos discursivamente opostos – dando origem à famosa dicotomia entre esquerda e direita – é que, à medida que a política dos Grandes Homens se desenvolve, as mulheres, a natureza e os povos colonizados sambam periodicamente de mãos em mãos entre a política patriarcal conservadora e a política patriarcal progressista. Enquanto os conservadores costumam adotar medidas de maior austeridade econômica, seu apelo popular a verdades e acordos universais, bem como a tradições que fundamentam determinadas sociedades, garantem um nível considerável de adesão popular à uma ala que trabalha diretamente contra o povo. Os progressistas, por sua vezes, defendem políticas voltadas a questões de direitos humanos e de maior inserção da classe trabalhadora à economia – geralmente na forma de consumidores, dificilmente como agentes ativos de transformação política –, ao mesmo tempo que propõem transgressões a nível cultural – necessárias para a ultrapassagem das fronteiras de acumulação – que possuem pouquíssima adesão popular.
Aparentemente, a classe trabalhadora e as mulheres em geral estão sempre entre a cruz e a espada, tendo que escolher, dentro de um regime de democracia para inglês ver, sobretudo no Sul Global, entre campos políticos que nunca estarão alinhados, na prática, aos seus interesses. Nesse episódio do Papo de Fera, nós conversamos com a @callegarisabela sobre a história da direita e esquerda, sobre onde as feministas se situam em meio a esse entrave e sobre formas de pensar política fora dessa limitação dicotômica de pensamento.
Esperamos que vocês gostem desse papo! Não esqueçam de compartilhar esse episódio com as mulheres que ainda estão iludidas com as possibilidades de transformação social oferecidas pela esquerda.
Referências mencionadas:
RUI Tavares. Esquerda e direita: guia histórico para o século XXI. São Paulo: Tinta da China, 2024. https://g.co/kgs/UBB4qxS
NORBERTO Bobbio, NICOLA Matteucci e GIANFRANCO Pasquino. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1986. 2ª edição.
[Sobre Revolução Científica, mecanicismo e organicismo]
MERCHANT, Carolyn. The death of nature: women, ecology, and the scientific revolution. New York: Harper One, 1989.
PLUMWOOD, Val. Feminism and the mastery of nature. New York: Routledge, 2003.
[Mídias audiovisuais]
SAN JUNIPERO. Em: Black Mirror. Série exibida na Netflix. Temporada 3, episódio 4. 2016.
POP SQUAD. Em: Love, Death and Robots. Série exibida na Netflix. Temporada 2, episódio 3. 2021.
GHOST in the shell. Direção de Mamoru Oshii. 1995.