mau-desenvolvimento – substantivo masculino
[decodificação #7] e os sentidos patriarcais de pobreza
Olá, mulheres! Como estão?
<Estou aos poucos tentando retomar minha atividade nas redes sociais, mas de forma um pouco mais responsiva e desacelerada. Desde o surgimento da página no Instagram, que completa um ano em agosto, muita coisa aconteceu por aqui. Foram muitas diálogos, muitas trocas e, através delas, uma possibilidade maior de dar continuidade ao ativismo feminista – que eu tinha abandonado por volta de 2016, quando me organizei em movimentos de esquerda – de forma mais madura e também renovada. O projeto vai continuar rolando de forma um pouco mais lenta pois não tenho conseguido dar conta de tudo no mesmo ritmo que antes, mas prometo estar por aqui atualizando vocês com leituras novas e traduções, mesmo que com uma menor frequência. Confiem no processo pois devagar se vai longe!
Antes de dar continuidade aos comentários que precedem essa decodificação, gostaria primeiro de agradecer à querida Marina Colerato, que desde a formação sobre Ecofeminismo, que ocorreu no ano passado, me deu instrumentos que foram fundamentais para viabilizar o projeto fêmea feroz, e que, agora, também é minha parceira de podcast, algo que jamais imaginei estar fazendo na minha vida. Que alegria, de verdade! Gratidão, Má! E para quem ainda não ouviu o primeiro episódio ou não ficou sabendo do lançamento, endosso o convite para que acompanhem aqui (ou no Spotify) a leitura e conversa sobre Gênero, patriarcado, violência, de Heleieth Saffioti, que dispersamos nas redes no último dia 15 – e que rendeu feedbacks que ficarão guardados no coração.
Além disso, friso a vocês alguns convites para ação, conforme a Má nos apontou nessa semana. Um deles diz respeito à RE 845.779, que será discutida no STF e cuja aprovação significará a perda, por mulheres e crianças, de seus espaços públicos exclusivos separados por sexo. A demanda nesse caso é bem simples: envie um e-mail. O modelo na track da Má, levam três minutinhos pra enviar e é uma ação super importante para registrarmos nosso desacordo com essa medida absurda que, se aprovada, abrirá precedentes para uma maior vulnerabilização de grupos já historicamente vulnerabilizados em espaços públicos, além de oferecer jurisprudência para que mulheres não possam reagir diante de casos de violência masculina nesses espaços. Esse iniciativa tem rolado por parte de várias coletivas, então não fique de fora (e agora, mais do que nunca, busque também fortalecer essas iniciativas de forma mais ativa, participando de forma organizada).
A última forma de contribuição para qual gostaria de convidar vocês é contribuindo com o mapeamento de notícias abordando o tema IDENTIDADE DE GÊNERO e POLÍTICAS DE IDENTIDADE DE GÊNERO, da União Ecofeminista, uma iniciativa que estamos tocando para recolhermos corpus para uma análise da forma como o discurso acerca desse consenso construído tem se manifestado na mídia brasileira. Você pode ler a proposta com calma e preencher o formulário nesse link: https://link.uniaoecofeminista.org/mapeamento-grande-midia.
Toda ajuda aqui é válida.
Agora, vamos falar sobre o texto!>
A decodificação dessa semana é a tradução do texto Development, Ecology, and Women, de Vandana Shiva, parte da coletânea Healing the wounds: the promisse of ecofeminism [Curando as feridas: a promessa do ecofeminismo], organizada por Judith Plant e publicada pela New Society Publishers, em 1989. Confesso que estava bastante ansiosa para a finalização e para a publicação desse texto, que estava nos meus arquivos para ser editado há mais de um mês e que só nas últimas semanas tive tempo de retomar.
Primeiro, pois essa coletânea foi um verdadeiro achado do internet archive – como várias outras obras fantásticas que encontro por lá – e possui textos que discutem a perspectiva ecofeminista através de diversos prismas, desde a economia, passando pela sociologia e chegando até a teologia. Segundo, pois após o lançamento recente da Vandana Shiva por uma certa editora brasileira cooptada pelo neoliberalismo misógino e transumanista (cujo nome não irei mencionar, rs), gostaria também que a gente tivesse a oportunidade de ler essa autora fantástica por mãos independentes, sem um esvaziamento de seu pensamento e sem uma cooptação de seus conceitos por pseudointelectuais vendidos para uma filosofia de boteco ocidental e colonialista de qualidade e caráter duvidosos. A obra de Vandana Shiva não merece apenas ser lida, mas merece ser bem lida.
Dessa forma, veio a calhar apresentar para vocês esse texto que, diante dos últimos eventos ecológicos que assolam nosso território, se mostra extremamente atual. Em Desenvolvimento, ecologia e mulheres, Vandana Shiva nos explicará a forma como a ideologia patriarcal capitalista e industrial transformou o discurso para vender a ideia de que a produção em massa de mercadorias e a economia de destruição de vida são sinônimos de riqueza. Plot twist – não são. Ao diferenciar a noção culturalmente estabelecida de pobreza (como falta de consumo de mercadorias não essenciais) da noção de pobreza material (como incapacidade de suprir necessidades básicas para a permanência da vida), Shiva nos convida a um exame da economia destrutiva do macho, que depende da miséria das mulheres e das colônias para oferecer a possibilidade de acumulação de excedentes por uma parcela dos Grandes Homens. Em diálogos frutíferos com os movimentos ecológicos de mulheres ao redor do mundo, Shiva nos oferece uma análise que, em poucas páginas nos dá informações bastante úteis sobre a economia patriarcal contemporânea e sobre o colapso ecológico que enfrentamos hoje, 35 anos após sua publicação.
Vandana Shiva ainda está encarnada nesse plano conosco e nasceu em 5 de novembro (escorpiana como eu) de 1952 em Dehradun, na Índia. Física de formação e doutora em Filosofia, é uma das ativistas ambientais mais conhecidas da atualidade e obteve grande destaque ao fazer contundente crítica ao uso de sementes geneticamente modificadas, o que a colocou em conflito direto com grandes empresas como a Monsanto, a Cargill e a Bayer. Fundou a Navdanya, uma organização dedicada à promoção da agricultura sustentável e à proteção das sementes tradicionais e biodiversidade agrícola, e tem grande parte de seu trabalho ligado a lutas coletivas de mulheres no Sul Global, que se opoem tanto à violação da natureza e quanto à dominação das mulheres e de seus corpos. Algumas de suas obras são: Staying Alive: Women, Ecology, and Development (1988), Biopiracy: The Plunder of Nature and Knowledge (1997) e Ecofeminismo [Ecofeminism] (2014), que foi escrito em conjunto com Maria Mies.
Boa leitura (e não se esqueçam de curtir, compartilhar e comentar para dar aquela força pro rolê)!
Desenvolvimento, ecologia e mulheres
O desenvolvimento como um novo projeto do patriarcado ocidental
O “desenvolvimento” deveria ter sido um projeto pós-colonial, uma escolha de aceitar um modelo de progresso em que o mundo inteiro se refez segundo o modelo do Ocidente colonizador moderno, sem ter de sofrer a subjugação e a exploração que o colonialismo implicava. A suposição era a de que o progresso ao estilo ocidental era possível para todos. O desenvolvimento, enquanto melhoria do bem-estar de todos, foi assim equiparado à ocidentalização das categorias econômicas – as necessidades, a produtividade e o crescimento. Os conceitos e categorias acerca do desenvolvimento econômico e da utilização dos recursos naturais, que surgiram no contexto específico da industrialização e do crescimento capitalista em um centro do poder colonial, foram elevados ao nível de pressupostos universais e de aplicabilidade em um contexto totalmente diferente de satisfação das necessidades básicas das populações dos países recentemente independentes do Terceiro Mundo.
No entanto, como apontou Rosa Luxemburgo, o desenvolvimento industrial inicial na Europa Ocidental exigiu a ocupação permanente das colônias pelas potências coloniais e a destruição da “economia natural” local.[1] Segundo ela, o colonialismo é uma condição necessária constante para o crescimento capitalista: sem colônias, a acumulação de capital seria paralisada. O “desenvolvimento” – enquanto acumulação de capital e comercialização da economia para a geração de “excedente” e lucros – envolveu assim a reprodução não apenas de uma forma particular de criação de riqueza, mas também da criação associada de pobreza e desapropriação. Uma réplica do desenvolvimento econômico, baseado na comercialização do uso de recursos para a produção de mercadorias nos países recentemente independentes criou as colônias internas.[2]
O desenvolvimento foi assim reduzido a uma continuação do processo de colonização. Ele tornou-se uma extensão do projeto de criação de riqueza na visão econômica do patriarcado ocidental moderno, que se baseava na exploração ou exclusão das mulheres (ocidentais e não-ocidentais), na exploração e degradação da natureza e na exploração e erosão de outras culturas. O "desenvolvimento" não poderia deixar de implicar a destruição das mulheres, da natureza e das culturas subjugadas, razão pela qual, em todo o Terceiro Mundo, as mulheres, os camponeses e os indígenas lutam pela libertação do "desenvolvimento", tal como lutaram anteriormente pela libertação do colonialismo.
A United Nations Decade for Women [Década das Nações Unidas para as Mulheres] (1975-1985) foi baseada no pressuposto de que a melhoria da posição econômica das mulheres fluiria automaticamente de uma expansão e difusão do processo de desenvolvimento. No entanto, no final da Década, estava ficando claro o fato de que o próprio desenvolvimento era o problema. A “participação” insuficiente e inadequada no “desenvolvimento” não foi a causa do crescente subdesenvolvimento das mulheres. A responsabilidade disso foi, na verdade, da participação imposta e, todavia, assimétrica, das mulheres, que arcaram com os custos enquanto eram excluídas dos benefícios. A exclusividade do desenvolvimento e a desapropriação agravaram e aprofundaram processos coloniais de degradação ecológica e a perda de controle político sobre base de sustento da natureza. O crescimento econômico foi um novo colonialismo, que drenou recursos daqueles que mais precisavam deles. A descontinuidade residia no fato de que agora eram as novas elites nacionais, e não de as potências coloniais, que planejavam a exploração com base no "interesse nacional" e no PIB crescente, o que foi alcançado com tecnologias mais poderosas de apropriação e destruição.
Ester Boserup[3] documentou como o empobrecimento das mulheres aumentou durante o domínio colonial – apontando os governantes que passaram séculos subjugando e debilitando as suas próprias mulheres, transformando-as em apêndices desqualificados e desintelectualizados – e desfavoreceu as mulheres das colônias com relação ao acesso à terra, à tecnologia e ao emprego. Os processos econômicos e políticos do mau-desenvolvimento colonial trouxeram a marca clara do patriarcado ocidental moderno e, embora um grande número de mulheres e homens tenham sido empobrecidos por estes processos, as mulheres tenderam a perder mais. A privatização da terra para geração de receitas deslocou as mulheres de forma mais grave, corroendo os seus direitos tradicionais de utilização da terra. A expansão do cultivo comercial prejudicou a produção de alimentos e às mulheres restavam, frequentemente, escassos recursos para alimentar e cuidar das crianças, dos idosos e dos enfermos, enquanto os homens migravam ou eram recrutados para trabalhos forçados pelos colonizadores. Como afirmou um documento coletivo de mulheres ativistas, organizadoras e pesquisadoras no final da UN Decade for Women: “A conclusão quase uniforme da investigação da Década é que, com algumas exceções, o acesso relativo das mulheres aos recursos econômicos, aos rendimentos e ao emprego piorou, a sua sobrecarga de trabalho aumentou e o seus status de saúde relativa e até absoluta, de nutrição e de educação diminuíram.”[4]
O descolamento das mulheres da atividade produtiva em razão expansão do desenvolvimento estava enraizado, em grande parte, na maneira pela qual os projetos de desenvolvimento se apropriaram ou destruíram a base de recursos naturais utilizada para sustento e sobrevivência. A produtividade das mulheres foi destruída através da extirpação das terra, águas e florestas de sua gestão e controle, assim como através da destruição ecológica destes recursos, prejudicando a produtividade e a renovabilidade da natureza. Ao passo em que a subordinação de gênero e o patriarcado são as opressões mais antigas, elas assumiram formas novas e mais violentas através do projeto de desenvolvimento. Categorias patriarcais que entendem a destruição como "produção" e regeneração da vida como "passividade" geraram uma crise de sobrevivência. A passividade, enquanto uma categoria presumida da “natureza” da própria natureza e das mulheres, nega a atividade da natureza e da vida. A fragmentação e a uniformidade, enquanto categorias presumidas do progresso e do desenvolvimento, destrói as forças vivas – que surgem das relações internas à "teia da vida" – e a diversidade nos elementos e padrões dessas relações.
Os preconceitos e valores econômicos contrários à natureza, às mulheres e aos povos indígenas são capturados nesta análise típica da “improdutividade” das sociedades naturais tradicionais:
A produção é alcançada através do poder humano e animal, e não do poder mecânico. A maior parte da agricultura é improdutiva; esterco humano ou animal pode ser usado, mas fertilizantes químicos e pesticidas são desconhecidos... Para as massas, estas condições significam pobreza. [5]
Os pressupostos são evidentes: a natureza é improdutiva; a agricultura orgânica, baseada nos ciclos de renovação da natureza, é sinônimo de pobreza; as mulheres e as sociedades tribais e camponesas inseridas na natureza são igualmente improdutivas, não porque tenha sido demonstrado que em cooperação elas produzem menos bens e serviços para suprir necessidades, mas porque se presume que a “produção” ocorre apenas quando é mediada por tecnologias para a produção de mercadorias, mesmo quando essas tecnologias destroem a vida. Nesta perspectiva, um rio estável e limpo não é um recurso produtivo: ele precisa de ser “desenvolvido” com barragens para sê-lo. As mulheres, que partilham o rio como um bem comum para satisfazer a necessidade de água das suas famílias e sociedades, não estão envolvidas no trabalho produtivo; quando elas são substituídas pelo engenheiro, a gestão e o uso da água tornam-se atividades produtivas. As florestas naturais permanecem improdutivas até serem transformadas em plantações de monoculturas de espécies comerciais. O desenvolvimento é equivalente, portanto, ao mau-desenvolvimento, um desenvolvimento desprovido do feminino, da conservação, do princípio ecológico. A negligência com o trabalho da natureza em renovar-se e com o trabalho das mulheres na produção do sustento, em forma de necessidades básicas e vitais, é um elemento essencial no paradigma do mau-desenvolvimento, que enxerga tudo que não produz lucro e capital como trabalho não-produtivo e ou improdutivo. Como salientou Maria Mies, este conceito de excedente tem um viés patriarcal porque, do ponto de vista da natureza e das mulheres, não se baseia em excedentes materiais produzidos para além das necessidades da comunidade: ele é roubado e apropriado, de forma violenta, da natureza (que precisa de uma parte da sua produção para se reproduzir) e das mulheres (que precisam de uma parte da produção da natureza para produzir sustento e garantir a sobrevivência). [6]
Na perspectiva das mulheres do Terceiro Mundo, a produtividade é uma medida de produção de vida e sustento; o fato de este tipo de produtividade ter sido tornado invisível não reduz a sua centralidade para a sobrevivência – apenas reflete o domínio das modernas categorias econômicas patriarcais que enxergam apenas o lucro e não a vida.
O mau-desenvolvimento enquanto a morte do princípio feminino
Nesta análise, o mau-desenvolvimento torna-se uma nova fonte de desigualdade entre homens e mulheres. A “modernização” tem sido associada à introdução de novas formas de dominação. Alice Schlegel mostrou que, sob condições de subsistência, a interdependência e a complementaridade dos domínios distintos de trabalho masculino e feminino é o modo característico, sendo baseado na diversidade e não na desigualdade.[7] O mau-desenvolvimento milita contra essa igualdade na diversidade, e impõe a categoria construída do homem tecnológico ocidental como uma medida uniforme do valor de classes, culturas e gêneros[8]. Os modos dominantes de percepção baseados no reducionismo, na dualidade[9] e na linearidade são incapazes de lidar com a igualdade na diversidade, com formas e atividades que sejam significativas e válidas, embora diferentes. A mentalidade reducionista sobrepõe os papéis e formas de poder dos conceitos ocidentais, orientados pelo macho, às mulheres, a todos os povos não-ocidentais e até mesmo à natureza, tornando todos os três "deficientes" e necessitados de "desenvolvimento". A diversidade, bem como a unidade e a harmonia na diversidade, torna-se epistemologicamente inatingível no contexto do mau-desenvolvimento, que se torna então sinônimo de subdesenvolvimento das mulheres (aumento da dominação sexista) e de esgotamento da natureza (aprofundamento das crises ecológicas). As mercadorias cresceram, mas a natureza encolheu. A crise de pobreza do Sul surge da crescente escassez de água, alimento, pasto e combustível, associada ao crescente mau-desenvolvimento e à destruição ecológica. Esta crise de pobreza afeta mais gravemente as mulheres, primeiro porque elas são as mais pobres entre os pobres e depois porque, juntamente com a natureza, são elas as principais mantenedoras da sociedade.
O mau-desenvolvimento é a violação da integridade dos sistemas orgânicos, interligados e interdependentes, que desencadeia um processo de exploração, desigualdade, injustiça e violência. Ele é cego ao fato de que o reconhecimento da harmonia da natureza e a ação para mantê-la são condições prévias para a justiça distributiva. É por isso que Mahatma Gandhi disse: “Há o suficiente no mundo para as necessidades de todos, mas não para a ganância de algumas pessoas”.
O mau-desenvolvimento é o mau-desenvolvimento no pensamento e na ação. Na prática, esta perspectiva fragmentada, reducionista e dualista viola a integridade e a harmonia da humanidade na natureza, e a harmonia entre homens e mulheres. Rompe a unidade cooperativa entre masculino e feminino e coloca o homem, despojado do princípio feminino, acima da natureza e das mulheres, e separado de ambas. A violência contra a natureza, sintomatizada pela crise ecológica, e a violência contra as mulheres, sintomatizada pela sua subjugação e exploração, surgem desta subjugação do princípio feminino. Quero argumentar que o que hoje se chama desenvolvimento é essencialmente mau-desenvolvimento, baseado na introdução ou acentuação da dominação do homem sobre a natureza e as mulheres. Nele, ambas são vistas como o “outro”, o não-eu passivo. A atividade, a produtividade e a criatividade, que eram associadas ao princípio feminino, são expropriadas enquanto qualidades da natureza e da mulher e transformadas em qualidades exclusivas do homem. A natureza e as mulheres são transformadas em objetos passivos, para serem usados e exploradas para os desejos descontrolados e incontroláveis do homem alienado. De criadoras e mantenedoras da vida, a natureza e as mulheres são reduzidas a “recursos” no modelo fragmentado e antivida do mau-desenvolvimento.
Dois tipo de crescimento, dois tipos de produtividade
O mau-desenvolvimento é normalmente chamado de “crescimento econômico”, medido pelo Produto Interno Bruto. Porritt, um importante ecologista, tem o seguinte a dizer sobre o PIB:
Produto Interno Bruto — pela primeira vez, uma palavra está sendo usada corretamente. Até os economistas convencionais admitem que o apogeu do PIB acabou, pela simples razão de que, como medida de progresso, ele é mais ou menos inútil. O PIB mede o lote, todos os bens e serviços produzidos na economia monetária. Muitos destes bens e serviços não são benéficos para a população, mas são antes uma medida do quanto as coisas estão indo mal; aumento dos gastos com o crime, com a poluição, com as muitas perdas humanas da nossa sociedade, o aumento dos gastos devido ao desperdício ou à obsolescência programada, o aumento dos gastos devido ao aumento da burocracia: tudo está contabilizado.[10]
O problema com o PIB é que ele mede alguns custos como se fossem benefícios (por exemplo, o controle da poluição) enquanto falha completamente em medir outros. Entre estes custos ocultos estão os novos fardos criados pela devastação, custos que são invariavelmente mais pesados para as mulheres, tanto no Norte quanto no Sul. Não é de surpreender, portanto, que à medida que o PIB aumenta, isso não significa necessariamente que a riqueza ou o bem-estar aumentam proporcionalmente. Eu diria que o PIB está tornando-se cada vez mais um medida de quanto a riqueza real – a riqueza da natureza e aquela produzida pelas mulheres por sustentarem a vida – está rapidamente diminuindo. À medida em que a produção de mercadorias, tomada enquanto principal atividade econômica, é apresentada como desenvolvimento, essa destrói o potencial da natureza e das mulheres de produzirem a vida, os bens e os serviços para necessidades básicas. Mais mercadorias e mais dinheiro significam menos vida na natureza (através da destruição ecológica) e na sociedade (através da negação das necessidades básicas). As mulheres são desvalorizadas, primeiro, porque o seu trabalho coopera com os processos da natureza e, segundo, porque o trabalho que satisfaz as necessidades e garante o sustento é desvalorizado em geral. Agora, precisamente porque mais crescimento do mau-desenvolvimento significou menos sustento dos sistemas de suporte à vida, é imperativo recuperar o princípio feminino como base para o desenvolvimento que conserva e que é ecológico. O feminismo enquanto ecologia e a ecologia enquanto renascimento de Prakriti – a fonte de toda a vida – tornam-se o poderes descentralizados para a transformação e a reestruturação política e econômica.
Isto envolve, em primeiro lugar, o reconhecimento de que as categorias de “produtividade” e crescimento que foram consideradas positivas, progressistas e universais são, na realidade, categorias patriarcais restritas. Quando vistas da perspectiva da produtividade e do crescimento da natureza, e da produção de sustento das mulheres, são consideradas ecologicamente destrutivas e uma fonte de desigualdade de gênero. Não é por acidente que as tecnologias modernas, eficientes e produtivas criadas no contexto do crescimento em termos econômicos de mercado estão associadas a pesados custos ecológicos, suportados em grande parte pelas mulheres. Os processos de produção intensivos em recursos e energia dão origem a uma demanda cada vez maior de saque do ecossistema. Estes saques perturbam processos ecológicos essenciais e convertem recursos renováveis em recursos não renováveis. Uma floresta, por exemplo, fornece suprimentos inesgotáveis de biomassa diversificada ao longo do tempo se o seu estoque de capital for mantido e se houver colheita numa base de rendimento sustentado. A demanda pesada e descontrolada por madeira industrial e comercial, no entanto, exige o abate contínuo de árvores, que excede a capacidade regenerativa do ecossistema florestal e, eventualmente, converte as florestas em recursos não renováveis. O trabalho das mulheres no recolhimento de água, de pasto e de combustível passa a consumir, assim, mais tempo e energia. (Em Garhwal, por exemplo, vi mulheres que originalmente coletavam pasto e combustível em poucas horas agora viajando longas distâncias de caminhão para coletar grama e folhas em uma tarefa que pode levar até dois dias.) Às vezes, o dano à capacidade regenerativa intrínseca à natureza é causado não pela exploração excessiva de um determinado recurso, mas, indiretamente, por danos causados a outros recursos a ele relacionados através de processos ecológicos. Assim a derrubada excessiva de árvores nas bacias hidrográficas de córregos e rios destrói não apenas os recursos florestais, mas também fontes renováveis de água, através de desestabilização hidrológica. Indústrias intensivas em uso de recursos perturbam processos ecológicos essenciais, não apenas pelas suas exigências excessivas de matéria-prima, mas pela poluição do ar, da água e do solo. Muitas vezes tal destruição é causada pelas demandas de recursos proveniente de produtos indústrias não vitais.
Apesar das graves crises ecológicas, este paradigma continua a operar porque, para o Norte e para as elites do Sul, os recursos continuam disponíveis, mesmo agora. A falta de reconhecimento dos processos de sobrevivência da natureza enquanto fatores no processo de desenvolvimento econômico encobre as questões políticas decorrentes da transferência e destruição de recursos, e cria uma arma ideológica para um maior controle sobre os recursos naturais na noção convencionalmente utilizada de produtividade. Todos os outros custos do processo econômico tornam-se consequentemente invisíveis. As forças que contribuem para o aumento da “produtividade” de um agricultor ou de um operário fabril moderno, por exemplo, provêm do aumento da utilização dos recursos naturais. Lovins descreveu isso como a quantidade de trabalho “escravo” atualmente em ação no mundo.[11] De acordo com ele, cada pessoa do planeta possui, em média, o equivalente a cerca de 50 escravos, cada um trabalhando 40 horas semanais. A conversão global de energia da humanidade a partir de todas as fontes (madeira, combustível fóssil, energia hidroelétrica, nuclear) é atualmente mais de 20 vezes o conteúdo energético dos alimentos necessários para alimentar a atual população mundial na dieta padrão de 3.600 calorias diárias da FAO (Food and Agriculture Organization [Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas]). A “produtividade” do homem ocidental comparada com a das mulheres ou dos camponeses do Terceiro Mundo não é intrinsecamente superior; baseia-se nas desigualdades na distribuição deste trabalho “escravo”. O habitante médio dos Estados Unidos, por exemplo, tem 250 vezes mais “escravos” do que o nigeriano médio. Se os americanos tivessem menos de 249 desses 250 “escravos”, nos perguntamos: o quão eficientes eles provariam ser?
São estes processos de produção intensivos em uso de recursos e de energia que desviam os recursos da sobrevivência e, portanto, das mulheres. O que o patriarcado vê como trabalho produtivo é, em termos ecológicos, uma produção altamente destrutiva. A segunda lei da termodinâmica prevê que o desenvolvimento econômico intensivo e desperdiçador de recursos deve tornar-se uma ameaça à sobrevivência da espécie humana no longo prazo. As lutas políticas baseadas na ecologia nos países industrialmente avançados estão enraizadas neste conflito entre opções de sobrevivência a longo prazo e produção e consumo excessivos a curto prazo. As lutas políticas das mulheres, dos camponeses e das tribos, baseadas na ecologia em países como a Índia, são muito mais agudas e urgentes, uma vez que estão enraizadas na ameaça imediata às opções de sobrevivência da grande maioria da população, representada por um crescimento econômico intensivo em uso e em desperdício de recursos para o benefício de uma minoria.
Na economia de mercado, o princípio organizador da utilização dos recursos naturais é a maximização dos lucros e da acumulação de capital. A natureza e as necessidades humanas são geridas através de mecanismos de mercado. As demandas por recursos naturais estão restritas às demandas registradas no mercado; a ideologia do desenvolvimento baseia-se em grande parte em uma ideia de levar todos os recursos naturais para a economia de mercado, para a produção de mercadorias. Quando estes recursos já estão a ser utilizados pela natureza para manter a sua produção de recursos renováveis e pelas mulheres para o seu sustento e subsistência, o seu desvio para a economia de mercado gera uma condição de escassez para a estabilidade ecológica e cria novas formas de pobreza para as mulheres.
Dois tipos de pobreza
Num livro intitulado Poverty: the Wealth of the People [Pobreza: a Riqueza do Povo], um escritor africano faz uma distinção entre a pobreza como subsistência e a miséria como privação. É útil separar uma concepção cultural de vida baseada na subsistência como pobreza da experiência material de pobreza como resultado da desapropriação e da privação.
A pobreza culturalmente percebida não precisa ser uma pobreza material real: as economias de subsistência que satisfazem as necessidades básicas através do autoabastecimento não são pobres no sentido de serem carentes. No entanto, a ideologia do desenvolvimento as declara assim porque elas não participam esmagadoramente na economia de mercado e não consomem mercadorias produzidas e distribuídas através do mercado, embora possam satisfazer essas necessidades através de mecanismos de autoabastecimento. As pessoas são consideradas pobres se comem painço (cultivado por mulheres) em vez dos alimentos processados comercialmente produzidos e distribuídos que são vendidos pelo agronegócio global. Elas são vistas como pobres se viverem em casas construídas por elas mesmas, feitas de materiais naturais como bambu e barro, em vez de casas de cimento. São vistas como pobres se usarem roupas feitas à mão de fibra natural em vez de sintéticas. A subsistência enquanto pobreza culturalmente percebida não implica necessariamente em uma baixa qualidade de vida física. Pelo contrário, o painço é nutricionalmente muito superior aos alimentos processados; as casas construídas com materiais locais são muito superiores, adaptando-se melhor ao clima e à ecologia locais; fibras naturais são preferíveis em relação a fibras manufaturadas na maioria dos casos e, certamente, mais acessíveis.
Esta percepção cultural de uma vida em subsistência prudente como pobreza forneceu a legitimação do processo de desenvolvimento enquanto erradicação da pobreza. Sendo um projeto culturalmente tendencioso, ele destrói estilos de vida sustentáveis e cria a pobreza material real, ou a miséria, através da negação das próprias necessidades de sobrevivência, por meio do desvio de recursos para a produção de mercadorias intensiva em uso de recursos. A produção de cultivos comerciais e o processamento de alimentos tomam as terras e os recursos hídricos das necessidades de subsistência e excluem um número cada vez maior de pessoas de seus direitos à alimentação. Em nenhum momento o marketing global de mercadorias agrícolas foi avaliado contra o plano de fundo das novas condições de escassez e pobreza que ele induziu. Essa nova pobreza, além disso, já não é mais cultural e relativa: é absoluta e ameaça a própria sobrevivência de milhões de pessoas neste planeta.
O sistema econômico baseado no conceito patriarcal de produtividade foi criado para um fenômeno histórico e político muito específico do colonialismo. Nele, o insumo para o qual a eficiência de uso deveria ser maximizada nos centros de produção da Europa foi o trabalho industrial. Para o interesse colonial, portanto, era racional melhorar o recurso laboral mesmo que fosse às custas do desperdício da riqueza da natureza. Este raciocínio foi, no entanto, ilegitimamente universalizado para todos os contextos e grupos de interesse. E, sob o argumento do aumento da produtividade, tecnologias redutoras de mão-de-obra foram introduzidas em situações em que o trabalho é abundante e barato, e tecnologias que exigem recursos têm sido introduzidas onde os recursos são escassos e já totalmente utilizados para a produção de sustento. Economias tradicionais com uma ecologia estável compartilhavam com economias industrialmente ricas e avançadas a capacidade utilizar recursos naturais para satisfazer necessidades vitais básicas. As primeiras diferem das últimas de duas maneiras essenciais. Primeiro, as mesmas necessidades são satisfeitas nas sociedades industriais através de cadeias tecnológicas mais longas que exigem maiores insumos de energia e recursos, excluindo grandes números dos que não possuem poder de compra. E, segundo, a riqueza gera necessidades novas e artificiais que exigem o aumento da produção de bens e serviços industriais. As economias tradicionais não estão avançadas em matéria de satisfação de necessidades não vitais, mas no que diz respeito à satisfação de necessidades básicas e necessidades vitais, elas são consideradas o que Marshall Sahlins tem frequentemente chamado de "a sociedade rica original." As necessidades das tribos amazônicas são mais do que satisfeitas com a rica floresta tropical; sua pobreza começa com sua destruição. A história é a mesma para os Gonds de Bastar, na Índia, ou os Penans de Sarawak, na Malásia.
Tais economias baseadas em tecnologias indígenas são vistas como “atrasadas” e “improdutivas”. A pobreza enquanto negação das necessidades básicas não é necessariamente associada à existência das tecnologias tradicionais e sua erradicação não é necessariamente resultado do crescimento das tecnologias modernas. Pelo contrário, a destruição de tecnologias tradicionais ecologicamente corretas, frequentemente criadas e utilizadas por mulheres, juntamente com a destruição de sua base material, é geralmente considerada responsável pela “feminização” da pobreza em sociedades que precisam arcar com os custos da destruição de recursos.
A pobreza contemporânea do nômade Afar não tem raízes nas inadequações da vida nômade tradicional, mas no desvio do pasto produtivo no Vale Inferior do Awash. A erosão do recurso base para a sobrevivência tem sido cada vez mais causado pela demanda por recursos pelo mercado econômico, dominado por forças globais. A criação da desigualdade através da atividade econômica que é ecologicamente disruptiva ascende de duas maneiras. Primeiro, as desigualdades na distribuição de privilégios tornam o acesso aos recursos naturais desigual – isso inclui privilégios tanto de natureza política quanto econômica. Segundo, os processos de produção baseados no uso intensivo de recursos têm acesso a matéria bruta subsidiada da qual um número substancial de pessoas, vindas especialmente de grupos econômicos menos privilegiados, dependem para sobreviver. O consumo dessa matéria bruta é determinado puramente pelas forças do mercado, e não leva em consideração os requisitos sociais ou ecológicos a eles estabelecidos. Os custos da destruição de recursos são externalizados e desigualmente divididos entre diversos grupos econômicos da sociedade, mas são suportados em grande parte pelas mulheres e por aqueles que satisfazem as próprias necessidades materiais básicas diretamente da natureza, simplesmente pois não possuem poder aquisitivo para registrarem suas demandas nos bens e serviços providenciados pela sistema moderno de produção. Gustavo Esteva chamou o desenvolvimento de uma guerra permanente travada por aqueles que a promovem e sofrida por suas vítimas.[12]
O paradoxo da crise do desenvolvimento surge da identificação equivocada da pobreza culturalmente percebida com a pobreza material, e a identificação equivocada do crescimento da produção de mercadorias como uma melhor satisfação das necessidades básicas. Na realidade, isso significa menos água, menos solo fértil e menos riqueza genética como resultado do processo de desenvolvimento. Já que esses recursos naturais são a base da economia da natureza e da economia de sobrevivência das mulheres, sua escassez representa o empobrecimento de mulheres e de povos marginalizadas de uma maneira sem precedentes. Seu novo empobrecimento reside no fato de que os recursos que sustentam sua sobrevivência são drenados pela economia de mercado enquanto eles próprios são excluídos e substituídos por essa.
A velha suposição de que, com o processo de desenvolvimento, a disponibilidade de bens e serviços seria automaticamente ampliada e a pobreza seria removida está agora sob um sério desafio por parte dos movimento ecológicos das mulheres no Terceiro Mundo, mesmo enquanto continua a guiar a mentalidade do desenvolvimento nos centros do poder patriarcal. A sobrevivência é baseada na suposição da santidade da vida; o mau-desenvolvimento é baseado na suposição da sacralidade do “desenvolvimento”. Gustavo Esteva afirma que a sacralidade do desenvolvimento precisa ser refutada pois ela mesma é uma ameaça para a sobrevivência. “Meu povo está cansado do desenvolvimento,” ele diz, “eles só querem viver.”[13]
A recuperação do princípio feminino permite a transcendência e a transformação desses fundamentos patriarcais do mau-desenvolvimento. Ela autoriza uma redefinição do crescimento e da produtividade enquanto categorias ligadas à produção da vida, e não a sua destruição. Isso é ao mesmo tempo um projeto político ecológico e feminista que legitima a forma de saber e de ser que cria a riqueza através do aprimoramento da vida e da diversidade, e que deslegitima o saber e a prática de uma cultura de morte enquanto base para a acumulação de capital.
[1] Rosa Luxemburg, The Accumulation of Capital, Routledge and Kegan Paul, London, 1951. [Disponível em português: LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.]
[2] Uma explicação de como o “desenvolvimento” transfere recursos dos pobres para os mais abastados está contida em J. Bandyopadhyay and V. Shiva, "Political Economy of Technological Polarisations" in Economic and Political Weekly, Vol. XVIII, 1982, pp. 1827-32; and J. Bandyopadyay and V. Shiva, "Political Economy of Ecology Movements," in Economic and Political Weekly.
[3] Ester Boserup, Women's Role in Economic Development, Allen and Unwin, London, 1970.
[4] DAWN, Development Crisis and Alternative Visions: Third World Women's Perspective, Christian Michelsen Institute, Bergen, 1985, p. 21.
[5] M. George Foster, Traditional Societies and Technological Change, Allied Publishers, Delhi, 1973.
[6] Maria Mies, Patriarchy and Accumulation on a World Scale, Zed Books, London, 1986. [Disponível em português: MIES, Maria. Patriarcado e acumulação em escala mundial. São Paulo: Editora Timo, 2022.]
[7] Alice Schlegel, ed., Sexual Stratification: A Cross-Cultural Study, Columbia University Press, New York, 1977.
[8] Para compreender mais a respeito do escopo de gênero que Shiva e outras autoras utilizam em suas análises, ver o texto de Corinne Kumar D’Souza ,“A new movement, a new hope: East wind, west wind and the wind from the south” [Um novo movimento, uma nova esperança: ventos do leste, ventos do oeste e ventos do sul], presente também nessa coletânea. Dessa perspectiva, a noção de gênero é um constructo ideológico que surge junto da ciência moderna. “Bacon frequentemente utiliza das metáforas do gênero para descrever a nova ciência enquanto poder, ‘uma forma viril o bastante para penetrar e subjugar a natureza, de atar a natureza a serviço do homem e torná-la sua escrava’ e então alcançar ‘o domínio do homem sob o universo’. O propósito de Bacon não era conhecer a natureza, mas controlá-la, ganhar poder sobre ela’.’’(D’SOUZA, pp. 32). Na linha da concepção do gênero enquanto construção social que materializa a diferença sexual, aqui seu caráter patriarcal e violento é frisado. (N. da T.)
[9] Não confundir dualismo com o chavão ‘binarismo’, bradado pelos fanáticos pelo gênero. Acerca do dualismo, Maria Mies afirma: “o paradigma capitalista-patriarcal do homem-caçador que moldou nossa realidade atual é caracterizado em todos os níveis por divisões dualistas e hierarquicamente estruturadas [grifo da tradutora], que são a base das polarizações exploradoras entre as partes do todo: entre humanos e natureza, entre homem e mulher, entre diferentes classes e entre diferentes povos, mas também entre diferentes partes do corpo humano, por exemplo, entre a “cabeça” e “o resto”, entre racionalidade e emocionalidade. No nível das ideias, essas divisões dualistas são encontradas na valorização hierárquica e na polarização dos conceitos de natureza e cultura, mente e matéria, progresso e retrocesso, lazer e trabalho etc. Eu as chamo de divisões colonizadoras. [grifo da autora]” (MIES, Maria. Patriarcado e acumulação em escala mundial. São Paulo: Editora Timo, 2022. p. 371)
[10] Jonathan Porritt, Seeing Green, Blackwell, Oxford, 1984.
[11] A. Lovins, cited in S. R. Eyre, The Real Wealth of Nations, Edward Arnold, London, 1978.
[12] Gustavo Esteva, "Regenerating People's Space," in Towards a Just World Peace: Perspective From Social Movements, S. N. Mendlowitz and R. B. J. Walker, Butterworths and Committee for a Just World Peace, London, 1987.
[13] Esteva, op. cit.